Inconstitucionalidade de atos secretos: o Senado como a terra do "Zorro".
Arthur Magno e Silva Guerra[1]
A história fictícia de "Zorro", um jovem pertencente à aristocracia californiana à época da colonização espanhola (séc XIX) faz perceber a idolatria por aqueles que, atrás de máscaras ou segredos, justificam suas condutas o heroísmo na luta pelos oprimidos. Numa democracia, contudo, os "atos secretos" ofendem, drasticamente, a sociedade e qualquer compreensão de um Estado de Direito. Se, por um lado, o Estado possui, sim, legitimamente, alguns atos sigilosos; a má-utilização dessa prerrogativa, com intuito de favorecimento pessoal, acaba por macular os corolários republicanos. Além disso, sua utilização, que não se confunde com o excepcional “dever de sigilo”, fere princípios inerentes à Administração Pública, tais como a impessoalidade, publicidade e, obviamente a moralidade.
Razoável, ab initio, fazermos uma distinção no tratamento dado ao sigilo, nos âmbitos particular (defesa da intimidade) e público (defesa da transparência). Enquanto naquele – o âmbito das liberdades – a regra comumente encontrada na Constituição é a proteção preponderante da vida privada, intimidade, sigilo das comunicações, inviolabilidade domiciliar, entre outros; na atuação dos representantes do povo e gestores da coisa pública em geral, a regra primordial é a de que os atos sejam sempre praticados com transparência, dando-lhes publicidade (art. 37, CF/88), motivação (v.g. art. 2º e art. 50, da Lei 9.784/99), embasamento naquilo que é traçado pela legalidade.
Tanto assim, que diversos instrumentos de controle e participação popular são colocados à disposição, exclusiva, daqueles que são “cidadãos” (portanto, dotados de direitos políticos), a fim de que possam verificar essa adequação. Servem de exemplo, a ação popular (art. 5º, LXXIII, CF/88), a possibilidade de denúncias diretas ao Tribunal de Contas da União por ilegalidades ou irregularidades (art. 74, §2º), denúncia do Presidente da República ou Ministros de Estado por crimes de Responsabilidade, para fins de impeachment (art. 85, CF/88 c/c art. 14 da Lei 1.079/50). Além de outros instrumentos postos aos sujeitos da sociedade de maneira geral, como gestão democrática da Seguridade Social e da Educação.
Há, então, na esfera dos direitos individuais, a regra geral do sigilo, mas excepcionalmente, esse pode ser restringido por razões de interesse público; ao passo que na atuação das funções públicas, a regra é a publicidade, com possíveis restrições em que se estabelece o sigilo.
Urge sabermos, assim, quando é possível ao Estado impor sigilo aos seus atos? Este é o questionamento crucial no momento...
Remetendo ao que dissemos alhures, é a transparência, especialmente designada pelo “Princípio da Publicidade” que deve preponderar na atuação constitucional dos agentes públicos, consistindo o sigilo, na exceção. Se é assim, não custa ressaltar que por ser mesmo um “princípio” de status constitucional, a publicidade só pode mesmo ser diminuída, quando outra norma de igual hierarquia assim dispuser.
Portanto, todas as hipóteses de sigilo possíveis estão dentro do corpo da Constituição, descabendo a qualquer outro instrumento normativo o estabelecimento de novas situações; mas, tão somente, a regulamentação daquilo que o poder constituinte já possibilitou. Exemplo claro está no artigo 5º, XXXIII, em que o direto à informação é assegurado, mas ressalvam-se aquelas cujo sigilo seja considerado imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.
A definição acerca do que seja esse “sigilo imprescindível à segurança da sociedade e do Estado” ficou a cargo das normas infraconstitucionais que, por sua vez, diante da ausência de uma assertividade, acabam remetendo a classificação de um documento público como tal, às competentes autoridades administrativas. Exceção feita ao fato de que a Lei 11.111/05, que regulamenta a parte final do disposto no inciso XXXIII do caput do art. 5º da CF/88.
Uma vez assim compreendido, outra questão interessante é delinear que numa República, os governantes devem atuar voltados ao senso de que são representantes do povo na gestão da coisa pública. Além disso que outros princípios republicanos devem preordenar seu comportamento, como a transparência e prestação de contas, a transitoriedade de seus mandatos, legitimidade de suas condutas etc. Com edição e promoção de atos secretos, o que se percebe é justamente a deturpação desses corolários, em favor de causas pessoais, familiares, interesses particularistas, que não encontram qualquer motivação ligada às hipóteses constitucionais de possível sigilo.
Logo, são condutas que não se adequam às exigências de um Estado Democrático de Direito com a forma republicana.
Atos secretos: um mal que merece ser repelido pela sociedade, combatido pelas autoridades, não apenas porque remetem aos antigos tempos de um Estado censor, mas, ainda, porque ofendem princípios da Administração Pública em geral, Princípios constitucionais Republicanos e Democráticos e não encontram guarida numa Constituição que busca a soberania popular como um de seus pilares. A propósito, Johnston McCulley, quando escolheu o nome de seu personagem, obviamente que não despropositadamente – associou-o a um animal de movimentos rápidos e sorrateiros: a “raposa” (tradução literal do espanhol para "zorro"). Fujamos das “raposas” que governam o Estado, não nos deixando transformar em meros “Tornados”, o cavalo sobre o qual Zorro montava.
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[1] Como citar este artigo: GUERRA, Arthur Magno e Silva. Inconstitucionalidade de atos secretos: o Senado como a terra do "Zorro".Editorial Arthur Guerra, Belo Horizonte, ano 02, n.06, 09 de julho de 2009.Disponível em: www.arthurguerra.com.br
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Razoável, ab initio, fazermos uma distinção no tratamento dado ao sigilo, nos âmbitos particular (defesa da intimidade) e público (defesa da transparência). Enquanto naquele – o âmbito das liberdades – a regra comumente encontrada na Constituição é a proteção preponderante da vida privada, intimidade, sigilo das comunicações, inviolabilidade domiciliar, entre outros; na atuação dos representantes do povo e gestores da coisa pública em geral, a regra primordial é a de que os atos sejam sempre praticados com transparência, dando-lhes publicidade (art. 37, CF/88), motivação (v.g. art. 2º e art. 50, da Lei 9.784/99), embasamento naquilo que é traçado pela legalidade.
Tanto assim, que diversos instrumentos de controle e participação popular são colocados à disposição, exclusiva, daqueles que são “cidadãos” (portanto, dotados de direitos políticos), a fim de que possam verificar essa adequação. Servem de exemplo, a ação popular (art. 5º, LXXIII, CF/88), a possibilidade de denúncias diretas ao Tribunal de Contas da União por ilegalidades ou irregularidades (art. 74, §2º), denúncia do Presidente da República ou Ministros de Estado por crimes de Responsabilidade, para fins de impeachment (art. 85, CF/88 c/c art. 14 da Lei 1.079/50). Além de outros instrumentos postos aos sujeitos da sociedade de maneira geral, como gestão democrática da Seguridade Social e da Educação.
Há, então, na esfera dos direitos individuais, a regra geral do sigilo, mas excepcionalmente, esse pode ser restringido por razões de interesse público; ao passo que na atuação das funções públicas, a regra é a publicidade, com possíveis restrições em que se estabelece o sigilo.
Urge sabermos, assim, quando é possível ao Estado impor sigilo aos seus atos? Este é o questionamento crucial no momento...
Remetendo ao que dissemos alhures, é a transparência, especialmente designada pelo “Princípio da Publicidade” que deve preponderar na atuação constitucional dos agentes públicos, consistindo o sigilo, na exceção. Se é assim, não custa ressaltar que por ser mesmo um “princípio” de status constitucional, a publicidade só pode mesmo ser diminuída, quando outra norma de igual hierarquia assim dispuser.
Portanto, todas as hipóteses de sigilo possíveis estão dentro do corpo da Constituição, descabendo a qualquer outro instrumento normativo o estabelecimento de novas situações; mas, tão somente, a regulamentação daquilo que o poder constituinte já possibilitou. Exemplo claro está no artigo 5º, XXXIII, em que o direto à informação é assegurado, mas ressalvam-se aquelas cujo sigilo seja considerado imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.
A definição acerca do que seja esse “sigilo imprescindível à segurança da sociedade e do Estado” ficou a cargo das normas infraconstitucionais que, por sua vez, diante da ausência de uma assertividade, acabam remetendo a classificação de um documento público como tal, às competentes autoridades administrativas. Exceção feita ao fato de que a Lei 11.111/05, que regulamenta a parte final do disposto no inciso XXXIII do caput do art. 5º da CF/88.
Uma vez assim compreendido, outra questão interessante é delinear que numa República, os governantes devem atuar voltados ao senso de que são representantes do povo na gestão da coisa pública. Além disso que outros princípios republicanos devem preordenar seu comportamento, como a transparência e prestação de contas, a transitoriedade de seus mandatos, legitimidade de suas condutas etc. Com edição e promoção de atos secretos, o que se percebe é justamente a deturpação desses corolários, em favor de causas pessoais, familiares, interesses particularistas, que não encontram qualquer motivação ligada às hipóteses constitucionais de possível sigilo.
Logo, são condutas que não se adequam às exigências de um Estado Democrático de Direito com a forma republicana.
Atos secretos: um mal que merece ser repelido pela sociedade, combatido pelas autoridades, não apenas porque remetem aos antigos tempos de um Estado censor, mas, ainda, porque ofendem princípios da Administração Pública em geral, Princípios constitucionais Republicanos e Democráticos e não encontram guarida numa Constituição que busca a soberania popular como um de seus pilares. A propósito, Johnston McCulley, quando escolheu o nome de seu personagem, obviamente que não despropositadamente – associou-o a um animal de movimentos rápidos e sorrateiros: a “raposa” (tradução literal do espanhol para "zorro"). Fujamos das “raposas” que governam o Estado, não nos deixando transformar em meros “Tornados”, o cavalo sobre o qual Zorro montava.
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[1] Como citar este artigo: GUERRA, Arthur Magno e Silva. Inconstitucionalidade de atos secretos: o Senado como a terra do "Zorro".Editorial Arthur Guerra, Belo Horizonte, ano 02, n.06, 09 de julho de 2009.Disponível em: www.arthurguerra.com.br
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